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30 Nov -0001
Diabetes em Felinos

A diabetes melito é um dos distúrbios endócrinos mais comuns em gatos, principalmente devido ao aumento da ocorrência de fatores predisponentes, especialmente a obesidade e o sedentarismo.

Os felinos parecem ser menos previsíveis e são mais propensos à hiperglicemia de estresse, fazendo com que a interpretação da glicemia seja difícil.

As patogêneses da diabetes melito felina e canina são diferentes. Entender essas diferenças é importante para ajudar na escolha do tratamento mais adequado e na previsão do motivo de ocorrência de determinados problemas.

PATOGÊNESE

Cerca de 80-95% dos casos de diabetes melito felina são caracterizadas por uma carência absoluta ou relativa de insulina, associada com a resistência à insulia. O restante, cerca de 5-20% dos gatos atingidos, apresenta outros tipos específicos de diabetes melito.

A doença do tipo 1 resulta da destruição imunomediada das células beta. Essa doença é rara em gatos. A doença do tipo 2 foi anteriormente chamada de diabetes melito não insulinodependente, pois os pacientes não necessitam de insulina para controlar a hiperglicemia. Atualmente cerca de 5-40% dos gatos com diabetes tipo 2 podem ser controlados sem a insulinoterapia.

A diabetes melito tipo 2 é o resultado da diminuição da secreção de insulina combinada com uma ação insuficiente dela. Conforme aumenta a resistência à insulina, mais insulina é necessária para produzir o mesmo efeito de diminuição da glicose do que quando a sensibilidade da insulina é normal.

O indivíduo com resistência insulínica tenta compensar esse problema aumentando a secreção de insulina para manter uma concentração normal de glicose. A intolerância à glicose e a diabetes melito desenvolve-se quando a hiperinsulinemia já não pode ser sustentada em ração da exaustão das células beta. Ocorre então o aumento crônico da secreção de insulina, que induz um dano nas células beta, provocando apoptose. Outros fatores também podem promover a perda de células beta e incluem mais comumente a deposição de substância amilóide nas ilhotas, toxicidade à glicose e pancreatite.

CAUSAS DE RESISTÊNCIA À INSULINA

A obesidade é o fator principal de resistência à insulina. Gatos com 44% a mais que seu peso corporal ideal apresentam 50% de diminui9ção da sensibilidade de insulina.

A inatividade física e o confinamento em espaços pequenos foram recentemente demonstrados como fatores predisponentes a diabetes melito em gatos.

Gatos machos castrados apresentam o dobro do risco de desenvolver a diabetes melito em comparação com as fêmeas castradas. A combinação de tendência de sensibilidade menor à insulina e sua maior concentração, em conjunto com sua propensão para a obesidade, provavelmente explicam o maior risco de diabetes em machos castrados.

Os glicocorticóides e os progestágenos causam resistência à insulina, principalmente quando utilizados cronicamente.

CAUSAS DE REDUÇÃO NA SECREÇÃO DE INSULINA

A perda irreversível da secreção de insulina pode resultar da apoptose de células beta, da deposição amilóide nas ilhotas e da toxicidade da glicose e/ou pancreatite.

A amiloidose nas ilhotas é um precipitado do hormônio amilina, secretada pelas células beta juntamente com a insulina. O depósito amilóide nas ilhotas leva potencialmente à perda permanente das células beta. A deposição de amilóide ocorre quando à uma grande produção desse hormônio, induzido pelo excesso de hormônio do crescimento e da dexametasona; processamento anormal de amilina; dietas com alta concentração de gordura também podem predispor os gatos à deposição de amilóide.

A pancreatite leva a uma variável perda de células beta. No entanto a inflamação não é suficientemente grave para causar diabetes melito sozinha e envolve predominantemente o tecido pancreático exócrino. Já a obesidade contribui para a pancreatite subclínica, e a subseqüente perda de células beta em gatos precisa ser determinada.

A toxicidade da glicose pode resultar inicialmente na supressão reversível da secreção de insulina. A toxicidade a glicose é definida como “secreção prejudicada de insulina resultante de hiperglicemia crônica”. A toxicidade da glicose é dose dependente e a insulina é menos reprimida com concentrações mais baixas de glicose. A toxidade da glicose é inicialmente reversível, porem mais tarde provoca perda permanente de células beta.

O aumento das concentrações circulantes de ácidos graxos tem um efeito semelhante nas células beta. É difícil separar os mecanismos individuais de toxicidade da glicose e dos lipídios, pois a diabetes melito normalmente resulta em hiperglicemia e hiperlipidemia concomitantes. Os efeitos da toxidade da glicose e dos lipídios são semelhantes e ambos podem ser responsáveis pela supressão reversível da secreção de insulina e/ou destruição de células beta.

APRESENTAÇÃO CLÍNICA

A diabetes melito normalmente ocorre em gatos com >7 anos de idade. Os sintomas clássicos de diabetes melito descomplicada são polidipsia, poliúria, polifagia e perda de peso. Os gatos que ficam sem diagnóstico ou tratamento tem o risco de desenvolver doença sistêmica como resultado da progressiva cetonemia e da acidose metabólica exibindo sintomas como depressão, letargia, desidratação, anorexia, êmese, taquipneia, odor cetônico e neuropatia diabética (figura 1).

 

 

Figura 1: Gato com neuropatia diabética. Andar com joelhos tocando o chão. Fonte: Site da Universidade de Oklahoma.

Os casos devem ser investigados completamente para descartar outras causas antes de iniciar o tratamento. O diagnóstico diferencial para diabetes felina incluem Hipertireoidismo, Insuficiência renal e a Síndrome de Cushing (hiperadrenocorticismo). Um diagnóstico preliminar do diabetes mellitus, baseada em sinais clínicos, deve ser confirmado por exames laboratoriais de sangue e urina.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é feito com base na presença de sintomas clínicos apropriados, hiperglicemia persistente em jejum e glicosúria.

Os gatos são suscetíveis à hiperglicemia induzida pelo estresse e, muitas vezes, é difícil diferenciar entre esse fenômeno e a doença. A própria contenção do paciente pode efetivamente induzir a uma transitória hiperglicemia.

Os sintomas clínicos de diabetes melito ficam visíveis apenas quando a glicemia ultrapassa o limiar renal (> 252-288 mg/dL). Acima desse limiar a glicose não é totalmente reabsorvida nos túbulos proximais, ocorrendo diurese osmótica. Se houver suspeita de hiperglicemia por estresse, a urina é colhida no momento da consulta inicial e geralmente contém quantidade mínima de glicose, auxiliando no diagnóstico.

A concentração de frutosamina circulante normalmente é aumentada em gatos diabéticos. A frutosamina é formada pela ligação irreversível não-enzimática de glicose com proteínas séricas, principalmente albumina. Sua determinação fornece uma estimativa da glicemia durante as últimas 2-3 semanas. É uma ferramenta importante na identificação dos gatos com hiperglicemia de estresse que podem apresentar glicosúria, mas que não tem diabetes melito. Nesses casos, a concentração de frutosamina circulante encontra-se dentro dos limites de referência.

Uma vez diagnosticada a diabetes melito, é de vital importância instituir o tratamento o mais rapidamente possível. Reduzir a hiperglicemia e a hiperlipidemia maximiza a chance de preservar a função das células beta e atingir a remissão dos diabéticos.

ACOMPANHAMENTO DO DIABÉTICO

A resposta ao tratamento pode ser avaliada de várias maneiras e nenhuma modalidade individual deve ser utilizada como único parâmetro para justar o tratamento.

As curvas glicêmicas seriadas podem ser utilizadas para determinar a direção e a magnitude de qualquer mudança na insulinoterapia. A concentração de glicose na urina pode ser valiosa na detecção da remissão da diabetes. A determinação das proteínas glicadas pode ser útil para o acompanhamento de longo prazo.

Inicialmente os gatos diabéticos são avaliados a cada 1-4 semanas até que os sintomas clínicos da diabetes melito tenham se resolvido. Posteriormente os gatos são examinados a cada 2-3 meses. 

GLICEMIA SANGUÍNEA

A determinação seriada de glicose no sangue é o método mais aceito para o acompanhamento da eficácia terapêutica e para determinar as mudanças na dose de insulina. Uma única e aleatória determinação de glicemia muitas vezes não tem valor diagnóstico.

Para realizar uma curva glicêmica o sangue é melhor coletado de uma veia central. A utilização da veia jugular é muitas vezes mais fácil e menos estressante para o gato. O estresse físico deve ser evitado o quanto possível, uma vez que pode induzir a hiperglicemia acentuada.

O regime alimentar deve ser seguido. A glicemia é determinada antes da administração de insulina e, em seguida, a cada 2h, durante um período de 12h (ou 24h se a insulina for administrada uma vez por dia), ou duas vezes mais após atingir o nadir (menor valor da glicose durante o teste). Se o nadir não ocorrer dentro de 12h quando a insulina for aplicada em duas doses, a curva deve ser continuada até que o nadir seja identificado. Se a glicemia cair para <90mg/dL as amostras devem ser colhidas a cada hora para determinar a presença de hipoglicemia.

INTERPRETANDO A CURVA GLICÊMICA

O objetivo do tratamento é atingir níveis adequados do controle glicêmico durante todo o dia e minimizar os riscos de hipoglicemia. Objetivar um estreito controle da glicemia é algo que deve ser evitado em função do risco aumentado do desenvolvimento de hipoglicemia com uma superdosagem de insulina. Apesar da normoglicemia não ser obtida, muitos gatos são controlados adequadamente.

As recomendações para mudanças de dosagem diferem ligeiramente entre insulina de ação intermediária e de ação prolongada estando resumidas abaixo:

PARÂMETROS DA GLICEMIA

RECOMENDAÇÃO

Glicemia pré-insulina <216mg/dL

Retirar insulina e checar remissão da diabetes

Glicemia pré-insulina 234-288mg/dL

A dose total não pode ser maior que 1UI/gato, BID, ou a remissão pode ser iminente

Nadir em <54mg/dL

Reduzir a dose em 50%

Nadir em 54-90mg/dL

Reduzir a dose em 1UI

Nadir em 108-162 mg/dL

Manter a mesma dose

Nadir > 180mg/dL

Aumentar a dose em 1UI

Nadir ocorre em 3h da administração de insulina ou a glicemia retorna aos limites dentro de 8h

Usar uma insulina com maior tempo de ação

Nadir ocorre 8h ou depois

Administrar a insulina duas vezes ao dia (BID) em doses menores, embora a administração uma vez ao dia possa ser usada.

 

Se a dose de insulina for alterada, o gato deve ser reexaminado em intervalos de 1-2 semanas. É importante que as mudanças na dose de insulina não sejam feitas exclusivamente em função dos valores de glicemia apenas.

CIRCULAÇÃO DAS PROTEÍNAS GLICOSILADAS

A determinação das proteínas glicosiladas proporciona uma maneira de avaliar o controle glicêmico crônico. A frutosamina fornece informações sobre o controle da glicemia durante as últimas 2-3 semanas. A determinação da hemoglobina glicada fornece informações sobre a glicemia ao longo da vida útil dos glóbulos vermelhos (2-3 meses). A frutosamina e a hemoglobina glicada não devem ser utilizadas como únicos parâmetros para alterar a dose de insulina.

DETERMINAÇÃO DA GLICOSE NA URINA

A concentração de glicose na urina não deve ser utilizada como única base para mudar a dose de insulina, mas pode ser útil para indicar quando uma mudança na dose é necessária.  A glicose na urina de ++ ou menos é compatível com razoável controle diabético. Se a glicose na urina for negativa, o gato pode apresentar controle exemplar da diabetes (observar se não ocorre superdosagem de insulina).

Dica compilada do Manual de endocrinologia Canina e Felina. Carmel T. Mooney e Mark E. Peterson. São Paulo. Roca. 2009.

Fonte: Tecsa laboratório